A língua eletrônica é formada por um conjunto de sensores que tenta
mimetizar o funcionamento da língua humana. [Imagem: Embrapa
Instrumentação]
A língua eletrônica está-se tornando um dos projetos brasileiros mais inovadores na última década.
O projeto, que começou há mais de dez anos, utiliza inteligência artificial, sensores supersensíveis e capacidade de reconhecimento molecular para identificação de compostos químicos.
Suas principais aplicações principais estão na área industrial, mas graças ao esforço de uma equipe multidisciplinar, a tecnologia está entrando na área das aplicações médicas, colocando a língua eletrônica brasileira entre as mais faladas na área em todo o mundo.
O projeto, que começou na Embrapa, surgiu a partir da demanda da indústria pela automação na área da degustação - por exemplo, de medicamentos ou de alimentos não facilmente palatáveis, casos em que o uso de humanos não é viável.
Além disso, para controle rotineiro de qualidade na área de alimentos, ter um painel de degustadores humanos costuma ter um custo muito elevado.
Com a língua eletrônica, os resultados podem ser muito mais rápidos, menos subjetivos, e mais viáveis financeiramente.
Seletividade global
A língua eletrônica é formada por um conjunto de sensores que tenta mimetizar o funcionamento da língua humana e sua capacidade de identificar os cinco sabores básicos - salgado, doce, azedo, amargo e umami.
Essa chamada seletividade global, o princípio segundo o qual o sabor é decomposto em alguns sabores básicos, distingue-se da seletividade específica, que é a detecção de uma substância química.
Por exemplo, no café há centenas de substâncias químicas, mas não é necessário que saibamos quais são essas substâncias para sabermos que estamos bebendo café. O odor também tem este tipo de característica: não é necessário identificar moléculas para saber o cheiro.
O princípio da seletividade global postula que se distinga nuances destes sabores básicos, por isso a importância de ter muitos sensores.
Os sensores são fabricados a partir de filmes poliméricos ou filmes de biomoléculas.
A grande dificuldade é que é virtualmente impossível conseguir uma reprodutibilidade alta, ou seja, duas unidades sensoriais nominalmente idênticas - produzidas com os mesmos materiais e nas mesmas condições - não apresentam propriedades iguais.
Suponhamos que seja necessário comparar dois sabores em que apenas a acidez varia muito pouco. O ideal seria ter o sensor em um material cujas propriedades elétricas dependessem muito da acidez, ou seja, do pH.
Alguns polímeros condutores são extremamente sensíveis a mudanças de pH, então estes materiais são ideais para detectar sabores ácidos. Entretanto, no caso de duas substâncias com pequenas variações nos sabores doce ou amargo, não haverá grandes mudanças no pH ou na quantidade de íons da amostra, o que tornaria inviável o uso de polímeros condutores.
A saída é obter o que os pesquisadores chamam de "impressão digital" de cada amostra de alimento, reproduzindo a combinação de sabores da maneira como cérebro a capta.
"Podemos, por exemplo, utilizar o mesmo material, com sensores de características diferentes, como a espessura e a técnica de fabricação do fio", explica o professor Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do Instituto de Física de São Carlos, da USP.
Os sensores produzidos com materiais inorgânicos, uma opção a ser explorada pela equipe, podem apresentar melhor reprodutibilidade e otimizar a análise de alguns tipos de materiais. Contudo, é possível que a sensibilidade do sensor seja menor. "Para aplicações comerciais, seria a melhor saída", vislumbra o pesquisador do IFSC.
No
café há centenas de substâncias químicas, mas não é necessário que
saibamos quais são essas substâncias para sabermos que estamos bebendo
café. [Imagem: Embrapa Instrumentação]
O conceito de língua eletrônica foi também estendido ao conceito de biossensores.
"Nós não temos na nossa unidade sensorial um equipamento que reconheça especificamente a molécula que queremos detectar, mas logo percebemos que não há motivo para essa limitação", observa Osvaldo.
Um exemplo é um par antígeno-anticorpo: os antígenos são moléculas específicas que reconhecem apenas o anticorpo característico daquele antígeno.
Este é o princípio que é empregado nos biossensores para análises clínicas, no diagnóstico de doenças. "O antígeno reconhece um anticorpo específico e, se isso der um resultado positivo, significa que o indivíduo está doente," explica o pesquisador.
Essa aplicação biomédica da língua eletrônica vem sendo testada desde 2007.
"Esse é o diferencial que torna nosso projeto pioneiro no mundo", aponta Osvaldo. Dentre os resultados obtidos no âmbito desta aplicação, os pesquisadores foram capazes de fabricar um biossensor que distingue a leishmaniose da doença de Chagas, doenças muito similares e que, mesmo com os imunossensores mais sofisticados, ainda ocasionavam falsos positivos.
Resultados mais homogêneos
Mas por que o assunto é tão atual, mesmo depois de dez anos de pesquisas?
Primeiro, devido a esta dificuldade de predefinição dos materiais utilizados como sensores. Segundo, porque a aplicação ainda não está disponível e difundida no mercado.
Nas aplicações mais nobres, a alta sensibilidade dos sensores é o próprio "calcanhar de Aquiles" do projeto, porque qualquer mudança do material significa mudança nas propriedades, o que exige a substituição de alguma unidade sensorial.
Então, para obter dados de uma série de amostras, seria necessário recalibrar todo o sistema, ou a língua eletrônica forneceria resultados diferentes. "Ainda precisamos resolver este problema para colocar uma língua eletrônica de alto nível no mercado", conta Osvaldo.
"Esta é uma meta que perseguimos pensando a longo prazo, porque ainda há muito trabalho à frente, então a língua eletrônica continuará sendo notícia," finaliza ele.
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