Montar uma caixa, algo trivial em escala humana, torna-se um desafio
quando é preciso acondicionar nanopartículas ou picolitros de alguma
substância. [Imagem: NSF]
Montar objetos usando peças que você consegue ver e pegar é tão fácil que virou literalmente brincadeira de criança.
É assim também que são montadas todas as máquinas que usamos, de torradeiras e automóveis, até navios e naves espaciais.
Mas átomos e moléculas não podem ser manipulados tão facilmente quanto porcas e parafusos.
Empenhados em desenvolver técnicas que permitam a fabricação de dispositivos ultraminiaturizados, de nanorrobôs a memórias de computador que consigam armazenar mais dados por área, os cientistas estão tendo que criar ferramentas totalmente novas.
Esse desafio, que depende de um auxílio especialmente intenso da matemática, está sendo vencido aos poucos, com pinças de luz, moldes de DNA, alicates magnéticos e vários outros artifícios.
Há
43.480 jeitos diferentes de dobrar um dodecaedro. A vantagem é que, em
nanoescala, ele vira uma caixa sozinho. [Imagem: Gracias/Menon/NSF]
Imagine montar uma caixa, algo trivial em escala humana, mas que se torna um desafio quando é preciso acondicionar nanopartículas ou picolitros de alguma substância.
Mas, vencido o desafio, há uma grande vantagem: as nanocaixas montam-se sozinhas.
É verdade que David Gracias, da Universidade Johns Hopkins não teria nem começado a construir suas caixas tridimensionais automontantes sem a ajuda da matemática.
Foi Govind Menon, da Universidade Brown, quem descreveu matematicamente como os materiais planos deveriam ser cuidadosamente cortados para que resultassem em caixas perfeitamente lacradas, que poderão ser usadas para levar medicamentos para o interior do corpo humano.
"Há 43.480 jeitos diferentes de dobrar um dodecaedro," disse Menon.
"Da mesma forma que a natureza monta tudo, de conchas do mar a pedras preciosas, sempre de de baixo para cima, a ideia da automontagem promete se tornar uma técnica totalmente nova de fabricar objetos partindo de átomos e moléculas," completa Gracias.
Depois de feitos os cortes com precisão, tudo o que é necessário fazer é aquecer o material para que, sozinho, ele crie a nanodobradura com perfeição.
As folhas são fabricadas por uma técnica de impressão, e depois se dobram com água. [Imagem: Zina Deretsky/NSF]
O trabalho de Christian Santangelo e Ryan Hayward, da Universidade Massachusetts-Amherst é muito parecida - na verdade é complementar à de Gracias e Menon.
Eles empregaram técnicas fotográficas para imprimir folhas de polímeros já nos formatos adequados às dobraduras.
Em vez do calor, contudo, as folhas dobram-se no formato desejado apenas com a adição de água - a tensão superficial de microgotas é suficiente para levantar as "pétalas" das flores impressas.
As estruturas 3D finais são mais parecidas com sacos do que com caixas, e são curadas para permanecer na posição definitiva com luz ultravioleta.
As
estruturas metálicas têm detalhes estruturais 100 vezes menores do que
uma bactéria. [Imagem: Scott Warren/Uli Wiesner/Cornell]
Scott Warren e Uli Wiesner, da Universidade de Cornell, preferem montar estruturas metálicas.
Eles desenvolveram uma tecnologia capaz de fazer com que folhas metálicas sigam seu próprio caminho, automontando-se em caixas cujos detalhes estruturais são 100 vezes menores do que uma bactéria.
Ao contrário das grandes fábricas de produtos metálicos, às voltas com altos-fornos e grandes prensas, a nanometalurgia usa polímeros, frágeis e moles, para guiar as folhas de metal, que não são assim tão duras quando têm apenas poucos átomos de espessura.
Trabalhar com metais tem outro foco de aplicações, que inclui catalisadores mais eficientes e mais baratos para células a combustível e estruturas que guiam a luz para transportar mais informações no interior dos processadores fotônicos.
As
partículas ocas serão nanorreatores, no interior dos quais quantidades
ínfimas de compostos poderão reagir em condições estritamente
controladas. [Imagem: Michael D. Ward/New York University]
Mike Ward, da Universidade de Nova Iorque, não gosta tanto de dobraduras, e desenvolveu uma técnica para criar nanopartículas cristalinas já ocas.
Segundo ele, a criação do espaço vazio garante mais pureza da nanocaixa, evitando reações químicas indesejadas.
E o químico não poderia estar interessado em outra coisa que não fazer reações químicas: suas nanopartículas ocas foram projetadas para serem nanorreatores, no interior dos quais quantidades ínfimas de substâncias químicas poderão ser postas para reagir, em condições estritamente controladas.
"Nós queremos criar estruturas que sirvam como um 'hotel' para moléculas 'convidadas'," disse Ward.
"Isso tornará possível separar os compostos químicos por tamanho das moléculas ou fazer reações em locais bem definidos e isolados, o que dará maior controle sobre a reatividade química e os produtos finais da reação," completa ele.
Os
vasos de DNA não deixam nada a dever aos vasos e peças decorativas e
funcionais de cerâmica. [Imagem: Hao Yan/Arizona State University]
Hao Yan e Yan Liu, da Universidade do Estado do Arizona, estão entre os muitos que apostam nas moléculas de DNA e suas incríveis capacidades de conexão, que se encaixam apenas nos locais adequados.
Isso dá uma flexibilidade e uma precisão na montagem que não se consegue, ainda, obter de outro modo.
Usando a técnica, adequadamente batizada de origami de DNA, que já foi usada até para construir nanorrobôs que andam, os cientistas estão criando estruturas que não deixam nada a dever aos vasos e peças decorativas de cerâmica.
De novo, a vantagem é que os receptáculos podem ser projetados com antecedência, deixando a a montagem por conta das fitas de DNA, que recusam-se a se ficar nos locais inadequados, garantindo peças sempre perfeitas.
Veja mais detalhes desta incrível "arte nanotecnológica" na reportagem Origami de DNA cria nanoestruturas 3-D.
A
técnica de nanoconstrução guia as partículas por magnetismo, permitindo
a criação de estruturas com vários materiais. [Imagem: Benjamin
Yellen]
Benjamin Yellen, da Universidade de Duke, também prefere as automontagens, mas no lado "duro" da nanotecnologia.
Em vez de moléculas biológicas, ele está usando nanopartículas cristalinas, que podem ser metálicas ou cerâmicas.
Feitas as partículas, elas encontram seu caminho para montar as estruturas desejadas quando detectam variações em sua concentração ou na presença de campos magnéticos.
Yellen também precisou da matemática para conseguir isso.
"Nós não apenas desenvolvemos o arcabouço teórico dessa nova técnica, como demonstramos no laboratório que ela pode criar mais de 20 estruturas previamente programadas," disse ele.
Além das caixas, foram criados anéis, correntes e até malhas parecidas com tabuleiros de dama, com nanopartículas de tipos diferentes.
E esse, juntamente com o controle externo por um campo magnético, é o grande trunfo da nova técnica, permitindo a criação de nanoestruturas feitas de diversos materiais.
Nanofuturo
"A era da miniaturização promete revolucionar nossas vidas. Podemos fazer estas nanocaixas a partir de uma grande quantidade de materiais diferentes, tais como metais, semicondutores e mesmo polímeros biodegradáveis para uma série de aplicações ópticas, eletrônicas, ou para carregarem medicamentos," entusiasma-se o professor Gracias. "Por exemplo, há uma necessidade na medicina para criar partículas inteligentes que possam alvejar tumores específicos, doenças específicas, sem despejar drogas no resto do corpo, de forma a limitar os efeitos colaterais."
E, com tantas opções de automontagem, talvez já não seja mais ficção imaginar milhares de minúsculas partículas biodegradáveis, precisamente estruturadas e contendo em seu interior apenas os compostos químicos desejados, de alta pureza, correndo através da corrente sanguínea a caminho de um órgão doente.
Ou então, partículas sendo guiadas por luz ou por magnetismo para montar componentes eletrônicos com dimensões moleculares, no interior dos processadores de computador do futuro.
Mas é necessário concordar que essa é a visão para um futuro, ainda que não tão distante.
Para ligar o hoje com esse futuro, os cientistas precisam aprimorar o projeto das suas nanoestruturas, de forma que elas possam ser fabricadas sem variações e em grandes quantidades.
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