O Brasil chega aos 30 anos de uso da energia nuclear sem ter clara a questão de se isto é motivo para comemorar ou para lamentar.
De um lado, o governo e todos os envolvidos na operação das usinas nucleares ressaltam a importância do projeto nuclear e da formação da mão-de-obra especializada na área.
De outro, especialistas e ambientalistas destacam que a energia gerada pelas usinas de Angra poderia ser gerada por usinas tradicionais a um custo muitíssimo menor. E questionam a formação de mão-de-obra, que afinal só serve para operar as próprias usinas.
Depois de um histórico de problemas técnicos, a matriz nuclear marcou em 2011 um recorde de produção, com 15,644 milhões de megawatts-hora (MWh).
Segundo o governo, se Angra 3 for realmente concluída em 2016, como previsto, será possível alcançar 60% do consumo de energia elétrica do estado do Rio de Janeiro abastecidos pela fonte nuclear. Hoje, as duas usinas nucleares em funcionamento no país, Angra 1 e Angra 2, geram o equivalente a 30% do que é consumido no estado.
Forma adequada
Na avaliação do presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro, o uso da fonte nuclear para geração de energia trouxe ao país maturidade tecnológica na área, abrindo o campo de trabalho e colaborando para a formação de engenheiros nucleares de padrão internacional. "A principal vantagem que tivemos foi o aprendizado", avaliou.
Para Othon Pinheiro, hoje não se pode prescindir da fonte nuclear de energia que, na sua opinião, não pode ser descartada da matriz energética nacional. "É muito importante na geração de eletricidade, porque nós temos, hoje, no Brasil, 80% da população vivendo nas cidades. A sustentabilidade das cidades passa pela energia elétrica, da forma mais econômica e racional possível".
Segundo ele, "se tratada de forma adequada, [a energia nuclear] é uma fonte de energia limpa e não deve ser descartada da matriz energética nacional".
Othon Pinheiro lembrou da característica estratégica da energia nuclear, por ser opção em caso de problemas na oferta de energia elétrica devido a questões climáticas, já que a matriz energética é majoritariamente hidrelétrica.
"Precisamos da [fonte de energia] eólica, da solar. Seria bom se elas trabalhassem sozinhas. Mas a gente precisa das térmicas, para acionar em caso de problema da natureza. Energia é como ação [da Bolsa de Valores]. Por melhor que seja, a gente tem que comprar uma cesta de papéis para garantia do investimento".
Para o presidente da Eletronuclear, o país não pode descartar nenhuma fonte de energia renovável. Ele defende a geração de energia nuclear por considerá-la de baixo impacto ambiental e por questões de custo. Pinheiro ressalta que, dentre as térmicas, como as que produzem energia a partir do carvão, óleo combustível ou gás, a usina nuclear é a que tem menor custo. Além disso, ele lembra que o Brasil tem uma grande reserva de urânio, sendo "falta de imaginação" não aproveitar esse potencial.
Projeto malsucedido
O físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras, acredita que a geração de energia nuclear constitui um fato histórico. "A gente não pode se arrepender da história. Ela é como é", disse Pinguelli à Agência Brasil.
Mas ele contesta a real necessidade do Brasil lançar mão dessa fonte de energia tão controversa.
Pinguelli enfatiza que geração de energia a partir da fonte nuclear não pode ser vista como imprescindível para o país. Para ele, a energia produzida pelas usinas Angra 1 e 2 poderia ser compensada por outras fontes de energia renováveis. "Por hidrelétricas mesmo. Até agora, não haveria problema".
Ele relembra o acordo nuclear bilateral, firmado entre o Brasil e a Alemanha, em 1975, que previa a construção de oito reatores, definindo que nem tudo correu bem em relação à energia nuclear no Brasil.
"Acho que o acordo com a Alemanha foi malsucedido do ponto de vista brasileiro," afirma. Os custos elevados e as seguidas crises econômicas fizeram, no entanto, com que apenas duas usinas fossem construídas no país até agora.
Pinguelli, por outro lado, concorda com Othon Pinheiro sobre o ganho tecnológico que a geração nuclear propiciou ao Brasil, embora a um custo muito elevado.
"Criou-se uma competência na engenharia nuclear. Os dois reatores que o Brasil tem funcionando têm bom desempenho técnico". O físico destacou, ainda, como avanço tecnológico o aprendizado relativo ao enriquecimento do urânio. "Acho que esse é o ponto, tecnologicamente, mais elevado, promovido pela Marinha de Guerra".
Caro e arriscado
A organização não-governamental (ONG) ambientalista Greenpeace continua a acreditar que a fonte nuclear para geração de energia elétrica pode ser descartada no Brasil. Hoje, "as usinas Angra 1 e 2 atendem só a 2% da geração elétrica brasileira", argumenta o coordenador da Campanha de Clima e Energia da ONG, Pedro Henrique Torres.
Para ele, com um programa de eficiência energética, que inclua a instalação de placas solares nas casas, ou ampliação dos parques eólicos (que geram energia usando a força dos ventos), o país conseguiria produzir com facilidade esses mesmos 2% de energia.
Torres destacou que os acidentes ocorridos em todo o mundo, como no Japão, no ano passado, e na Ucrânia, em 1986, reforçam a tese que não vale o risco de se investir na geração de energia nuclear. "É muito caro, é arriscado e o lixo atômico demora milhares de anos para se decompor", alega.
O ambientalista refuta a tese de que a energia nuclear é uma fonte limpa, que não emite gases poluentes. "No caso do Brasil, como o urânio não é enriquecido no nosso território, isso não é uma verdade". Segundo Torres, o percurso pelo qual o urânio, minério usado para a geração de energia que abastece as usinas Angra, passa para ser levado ao enriquecimento, representa uma "grande queima de gás carbônico".
No Brasil, a fonte de urânio fica em Caetité, na Bahia. O minério sai de lá e percorre um longo caminho até seguir para o exterior, onde é enriquecido. Em estado puro, o urânio não serve como combustível para a produção de energia.
Desligar tudo
A avaliação é compartilhada pela Coalizão Brasileira contra Usinas Nucleares. O movimento, liderado pelo ativista social e ambientalista Chico Whitaker, está com uma campanha nas ruas coletando assinaturas para sensibilizar os legisladores do país no sentido de suspender as obras da Usina Angra 3 e descomissionar, ou seja, desligar e desmontar, as usinas em funcionamento hoje.
"Já está em tempo de a população e, principalmente, as autoridades, chegarem à conclusão de que não vale a pena construir a terceira usina", disse Whitaker. Ele relembra que, mesmo em um país de alta tecnologia, como o Japão, o episódio de Fukushima mostrou que os reatores nucleares não estão livres de representar um problema.
Whitaker quer levar à Câmara dos Deputados proposta de emenda à Constituição, baseada em uma iniciativa popular, semelhante à proposta que resultou na Lei da Ficha Limpa, pedindo a paralisação da construção de usinas no Brasil e o desmantelamento das unidades existentes. A proposta será encaminhada quando o abaixo-assinado completar, pelo menos, 1,5 milhão de assinaturas: "Estamos começando esse processo".
Rota de fuga
Para as comunidades do entorno da central nuclear brasileira, no município fluminense de Angra dos Reis (litoral sul do estado), a presença das usinas representa benefícios e desvantagens.
Um dos ganhos mais visíveis se reflete na geração de empregos. De acordo com Evandro Vieira, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Frade (bairro próximo da central nuclear), boa parte dos moradores da comunidade trabalha nas usinas.
Os vizinhos das usinas, no entanto, não se sentem seguros. A condições de segurança das usinas e o plano de evacuação em caso de acidente nuclear são pontos que preocupam os moradores.
Segundo Vieira, caso haja a real necessidade de evacuação, o plano não é suficiente. "Infelizmente, a BR-101 [Rodovia Rio-Santos, que passa em frente às instalações nucleares de Angra] é muito precária. É a única saída para a população. Pelo mar, não tem como embarcar. Porque não existe um cais decente para atender à necessidade, no caso de evacuação".
Armazenamento do lixo atômico
Enquanto isso, a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras que administra a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, está construindo a primeira célula-demonstração para contenção do lixo atômico das usinas nucleares.
A construção deverá estar concluída dentro de três anos, conforme informou o presidente da estatal, Othon Luiz Pinheiro. Ele garante que o sistema de armazenamento dos rejeitos nucleares é seguro.
A técnica adotada faz o encapsulamento de cada célula do combustível e, depois, o encapsulamento do conjunto de elementos combustíveis atômicos. "É uma proteção a mais", observa Othon Pinheiro.
Segundo ele, o armazenamento não será imposto a nenhum município, mas aquele que se dispuser a estocar esse lixo será remunerado. "[O município] ganhará royalties por isso. Se nós tivermos a competência para demonstrar que [o sistema] é seguro, vai ter muito município com densidade populacional baixa, sem utilização para terrenos públicos, que vai ganhar com isso, sem nenhuma consequência para a população".
Reavaliação
Apesar de o programa nuclear brasileiro estar sendo revisto, em função do acidente que abalou a Usina Nuclear de Fukushima Daiichi, no Japão, há um ano, Othon Pinheiro acredita que não há razão para interromper a construção de centrais nucleares no país.
Em construção, Angra 3 deverá entrar em funcionamento em 2016 e vai gerar 1.405 megawatts (MW) de energia.
Mesmo descartando problemas similares aos de Fukushima, a Eletronuclear decidiu construir o prédio do reator de Angra 3 à prova de terremoto. De acordo com Othon Pinheiro, a rotina de trabalho na central nuclear brasileira prima pela segurança e pela qualidade de treinamento do pessoal.
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