Longe de ser revolucionário, o Windows 7 é bastante conservador e, talvez por isso, adorado por tanta gente. A Microsoft
basicamente aparou as arestas grossas e cheias de rebarbas do Windows
Vista, mexeu um pouco na usabilidade do sistema baseada nos diversos
padrões de uso que conhece através de telemetria e relatórios de uso,
empacotou tudo e transformou em um sistema campeão de vendas, sucesso de
público e crítica.
Mas isso parece não ser o suficiente ante a (provável, que se frise)
mudança de comportamento pela qual passamos neste momento. Desde a
introdução do iPad, no começo de 2010, os tablets caíram no gosto
popular. É meio complicado entender para que serve um tablet, mas bastam uns minutinhos com um na mão para notar que muitas atividades ficam mais cômodas e divertidas com ele.
Steve Jobs apresenta o iPad (Foto: Reprodução)
O Windows 8 é a resposta direta a esse fenômeno. A nova interface
moderna (ex-Metro) foi feita para ser usada com os dedos. Ela não exclui
o paradigma dominante (mouse+teclado), mas o tamanho dos pontos
clicáveis/tocáveis, os gestos, algumas convenções de uso (
apps
em tela cheia) deixam claro ao usuário: você estará melhor servido se
usar seus dedinhos em vez desses arcaicos acessórios de clicar e
digitar. Futuramente abordarei a questão do Windows 8 com teclado e
mouse; é ruim, mas não chega a ser desastroso. Papo para semana que vem,
talvez.
Voltando à aposta da Microsoft, ela é gigantesca. O Windows é seu
produto mais conhecido, um dos maiores softwares do mundo — em vários
sentidos. Sozinha, essa alteração já seria surpreendente. Mas tem mais
aí, e esse “mais” atende pelo nome Surface.
Não, não é aquela mesa gigantesca sensível a toques que interage com objetos. Essa continua existindo, agora rebatizada como PixelSense. O novo Surface é um tablet. Da Microsoft. Você entende a dimensão disso? Se não, eu te explico.
A Microsoft, historicamente, é uma empresa de software. Ela se arrisca
com alguns hardwares e, em quase todas as suas apostas, se dá muito bem:
seus mouses e teclados são muito bons, o Xbox 360 é atualmente o videogame que mais vende.
O Zune, apesar de toda a sua qualidade (e digo com conhecimento de
causa, tive um Zune HD — RIP), não decolou, mas é aquela história, não
dá para acertar em todas… Enfim, apesar dessas escapadas na produção de
equipamentos, itens físicos, o negócio da Microsoft é fazer software e
licenciá-lo para quem produz hardware como ganha-pão: Dell, Lenovo, HP,
Acer, Samsung e tantas outras. É aí que ela lucra, e lucra bastante.
Microsoft Surface (Foto: Divulgação)
"É”, não. Era. Porque o Surface marca uma ruptura nesse
modus operandi.
É um hardware com Windows, um concorrente das parceiras da Microsoft.
Um nó no cérebro de quem viu a empresa, por mais de trinta anos,
trabalhar só com software. E uma aposta arriscada, pois coloca em rota
de colisão um equipamento próprio e aparentemente bom e outros de quem,
por décadas, levaram o nome Microsoft para tantos lares e,
principalmente, empresas. O papo da Microsoft é de que o Surface não
afeta o relacionamento com suas parceiras, mas quem sabe?
O Windows 8/RT é promissor; tem uma interface diferente, bonita e
agradável — embora isso não garanta nada em termos de sucesso
comercial."
Rodrigo Ghedin
O Surface foi apresentado com muita pompa em um evento fechado e exclusivo da Microsoft.
A imprensa norte-americana viu em primeira mão o tablet, que tem duas
versões, uma com Windows 8 Pro e outra com Windows RT (arquitetura ARM),
especificações bem bacanas e uma capinha embutida/com teclado que pode
ser o prego no caixão dos notebooks para quem trabalha
on the road.
O problema é que os jornalistas só “viram”; ninguém pôde experimentar o
teclado, ou mexer nos aparelhos com muita liberdade. Um ar de incerteza
ficou no ar, mas o equipamento ainda tem crédito.
Hoje o cenário do mercado de tablets está um pouco diferente do de
2010. Ou daquele de quando a Microsoft apresentou o Windows 8. Se antes o
iPad reinava soberano e tablets de entrada, abaixo dos US$ 300, eram
piadas de mau gosto, mas Kindle Fire HD e Nexus 7 são produtos recentes e competitivos na faixa dos US$ 200. Ainda há espaço para o Surface?
Sim. A proposta de um equipamento multiuso, que funciona muito bem como
tablet e muito bem como notebook, é um sonho para muitos profissionais e
estudantes. O Windows 8/RT é promissor; tem uma interface diferente,
bonita e agradável — embora, a exemplo do Windows Phone, isso não garanta nada em termos de sucesso comercial.
O preço terá um papel importante aí, e Ballmer disse recentemente que
não é nesse aspecto que o Surface brigará, dando a entender que para a
versão Pro o custo será similar ao de um iPad e, no com Windows RT,
pouca coisa acima dos tablets Android de US$ 200.
O fato de vir pré-instalado impulsionará as vendas do Windows 8, então
não é muito arriscado dizer que o sistema venderá bastante. Os híbridos,
que vimos às toneladas na última IFA,
formam um novo mercado, curioso, incerto, mas com potencial. Em meio a
eles, o Surface desponta como o mais intrigante e promissor. Ele pode
desencadear uma mudança sem precedentes na Microsoft, que passaria de
uma “empresa de software” para uma que provê soluções completas para o
usuário final — software, hardware e serviços. Uma Microsoft mais Apple.
Goste você ou não da dona do iPad e dos Macs, estamos falando da empresa mais valiosa da história. Não dá para culpar a Microsoft por estar se inspirando nela.