Vocês conhecem essas cafeteiras domésticas para café expresso onde o pó vem em uma cápsula plástica individual como a mostrada do lado esquerdo da Figura 1? No Brasil elas ainda não são muito conhecidas. Que eu saiba, há apenas uma ou duas marcas, das quais a mais badalada é a Nespresso devido às frequentes inserções de um comercial na televisão estrelado pelo George Clooney. Mas na Europa e EUA elas são bastante populares.
Figura 1: cafeteiras domésticas com cápsulas individuais (Reprodução/Internet)
Será que uma cafeteira destas é muito cara?Bem, a da figura está anunciada na página da Internet de uma cadeia de supermercados por R$ 399. Não sei se você achou cara ou barata, mas sei que o modelo mostrado do lado direito, que vai ao fogo, está anunciada na mesma página por R$ 258. Comparando os dois modelos, seria de esperar que a diferença entre preços fosse muito maior, não lhe parece?
Então por que o George Clooney insiste em que você compre o modelo da esquerda, da marca Nespresso, por um preço tão acessível?
Bem, para quem ler o artigo da Olivia Solon na Wired (eu não disse que o assunto da coluna não era café?) “Trouble brewing as company adds ‘DRM’ to coffee” a razão fica clara. Diz ela: “As máquinas de fazer café em doses individuais parecem uma alternativa econômica à Starbucks até você se dar conta do estrago que a compra das cápsulas de café faz em sua carteira. Da mesma maneira que as fabricantes de impressoras faturam com os cartuchos de tinta, as de máquinas de café … o fazem com as cápsulas”. Quer dizer: vendem a máquina baratinho e o complemento a um preço escorchante.
E, pelo menos no caso das impressoras, bota escorchante nisso. Por exemplo: um cartucho CC653AB de 4,5 ml está anunciado na Loja HP por R$ 44,90. O que representa um custo de R$ 10/ml (por extenso, para aqueles que ainda não haviam percebido quão fundo a HP mete a mão no seu bolso: dez reais por milésimo de litro – o que representa R$ 10 mil por litro). Pois bem, um frasco de 100 ml de “Eau de Perfum” Chanel Nº 5, famoso porque tudo o que Marilyn Monroe vestia para dormir eram duas gotas dele, está anunciado na loja da Chanel por R$ 456,00, ou seja: R$ 4,56/ml. Menos da metade do que custa a tinta preta HP.
Figura 2: cápsulas de café expresso e cartuchos de tinta HP (Foto: Reprodução/Internet)
Pois
bem: comparados com os preços da tinta para impressora, os da
Nespresso, que há alguns anos vendia suas cápsulas por valores que
oscilavam entre R$ 1,90 e R$ 3,00 e, hoje, as vende por R$ 1,50 a
unidade, parecem de bazar beneficente.Mas porque os preços das cápsulas Nespresso caíram?
Ora, por causa da concorrência.
Quem se der ao trabalho de consultar o artigo de Olivia Solon citado mais acima verá que todas as tentativas judiciais de impedir que empresas concorrentes fabriquem cápsulas de mesmo tamanho e formato, compatíveis com as máquinas domésticas tanto da Nestec (que fabrica a Nespresso) quanto de outras empresas (eu disse que por lá elas são populares; de fato, só o mercado de cápsulas de café movimenta US$ 6,6 bilhões anuais) deram com os burros n'água devido a decisões de juízes de bom senso tanto na Europa quanto nos EUA.
Aqui no Brasil não houve litígio judicial. Embora as fabricantes registrassem 1.700 patentes para proteger suas cápsulas contra cópias ilegais, praticamente todas elas expiraram. E estão começando a aparecer os concorrentes. Tanto que você pode encontrar, na seção Paladar do sítio do Estado de São Paulo, um artigo de Lucineia Nunes e Cynthia Almeida Rosa comparando a qualidade e o sabor do café produzido por cinco marcas de cápsulas nacionais, cujos preços variam a partir de R$ 1,40.
E no caso das impressoras, não é possível fabricar cartuchos compatíveis?
Bem, na verdade é. E há quem os faça. Mas o problema está nas impressoras. Porque, incomodada com a concorrência, as fabricantes de impressoras passaram a adotar sistemas de proteção que não somente impedem que cartuchos das concorrentes sejam usados como também que seus próprios cartuchos sejam reutilizados (como por exemplo uma rotina executada pelo processador da impressora que lê e anota em um “chip” de memória interno os níveis de tinta e os números de série dos últimos cartuchos usados e refuga a utilização do mesmo cartucho caso o nível de tinta esteja mais elevado, o que indica que a tinta foi reposta). E, ao que parece, este tipo de proteção é considerado legal, pois tanto quanto eu saiba ainda não foi assunto de litígio judicial.
Já as cafeteiras…
Segundo artigo de Karl Bode no sítio TechDirt, a fabricante de máquinas domésticas (e cápsulas) de café expresso Keurig do Canadá, pretende usar um alvitre, similar ao usado pelas fabricantes de impressoras, que impedirá que as máquinas por ela fabricadas aceitem cápsulas da concorrência mesmo que tenham exatamente o mesmo formato. E a Keurig confirmou esta intenção, embora não tenha revelado a técnica que será usada para garantir a proteção.
Isto motivou imediatamente uma ação judicial movida pela fabricante de cápsulas TreeHouse Foods alegando que “o uso desta tecnologia de proteção não pode ser justificada por qualquer suposto benefício para o consumidor” (veja aqui o texto completo das alegações da TreeHouse).
A nova máquina da Keurig ainda não foi lançada. E a ação judicial ainda vai levar algum tempo para ser julgada.
Há alguns anos havia um ditado popular afirmando que “de cabeça de juiz e barriga de mulher ninguém sabe o que vai sair”. A tecnologia, com o ultrassom, e um recente processo no STF no qual sabia-se perfeitamente e com grande antecedência o que sairia da cabeça de alguns dos juízes cuidadosamente escolhidos para participar do julgamento, mataram o provérbio. Mas, considerando-se que o processo da TreeHouse correrá na Corte do Distrito Sul de Nova York, será preciso esperar que a matéria transite em julgado para conhecer o veredito.
Pois bem: se a o uso de qualquer tipo de proteção para impedir que cápsulas fabricadas por terceiros sejam usadas nas máquinas de café expresso for considerado ilegal, acho bom que as fabricantes de impressora ponham as barbas de molho…
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