quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O que a Internet está fazendo comigo?

Nos últimos anos estamos sentindo como a tecnologia vem transformando nossas vidas, facilitando muitas atividades corriqueiras e até modificando, em parte, nossas relações individuais e coletivas. São smartphones e gadgets nas mais variadas formas e tamanhos pelos quais nos encantamos à primeira vista, assim que vislumbramos tudo que eles podem nos oferecer, além de sites de redes sociais e conexões que nos fazem sentir mais próximos, possibilitam trocar ideias com comunidades virtuais ao redor do mundo, com amigos, conhecidos, parentes etc. Mas não são apenas mudanças na organização prática dos nossos dias que essas ferramentas e aparelhos nos trazem, elas parecem também estar afetando nossos comportamentos, nossa maneira de lidar com as outras pessoas. Acompanhe esses exemplos.
O aniversário tinha sido ontem e eu fui escrever hoje. Levei um susto! Não posso escrever no mural dele? "
Ricardo é um profissional bem sucedido, trabalha numa grande agência de Marketing e é daquele tipo de pessoa muito popular. Faz novas amizades facilmente, fala com qualquer pessoa desinibidamente, está sempre pronto para conhecer outras pessoas, adora boas conversas, fala sobre tudo, de futebol até artes, passando por papinhas de bebê, já que acabou de tornar-se papai. Com a mesma facilidade, ele adiciona essas pessoas em sua lista de amigos no Facebook. Sendo um espaço aberto para trocas, interação, esperava-se (pelo menos eu espero) que Ricardo permitisse que seus amigos publicassem mensagens em seu mural no Facebook, fotos, lembranças, essas coisas que a gente costuma fazer. Mas, não, o mural de Ricardo é bloqueado para qualquer pessoa escrever.
Não sabendo disso, no dia do aniversário dele fui até o mural para felicitações. Mas o fiz com um dia de atraso. O aniversário tinha sido ontem e eu fui escrever hoje. Levei um susto! Não posso escrever no mural dele? Mas por que todos escreveram e eu não? Primeira paranoia (essa, minha): o que será que ele tem contra mim? Por que não posso escrever no mural dele? Ele não gosta de mim? Devo excluí-lo? O que faço na lista de amigos dele? Passei alguns instantes perguntando-me a razão de eu estar bloqueado para escrever no mural dele. Pensei gentilmente e enviei uma mensagem privada. Expliquei que gostaria de ter escrito uma mensagem no mural, mas estava bloqueado e perguntei: você me bloqueou? Por quê?
Simulação de mural bloqueado no Facebook (Foto: Reprodução)Simulação de mural bloqueado no Facebook (Foto: Reprodução)
A resposta dele foi simples como jamais poderia esperar: “Não, ele é sempre bloqueado, só liberei no dia do meu aniversário para receber as mensagens. Mas obrigado pela lembrança Abraços!”. Calei-me. E refleti. Tudo bem, a pessoa pode ter suas milhares de razões para não permitir que outras escrevam qualquer besteira em seus murais ou até algo que possa comprometê-las, mas se a lógica do Facebook, ou se assim parece, é interagir, é compartilhar, por que bloquear o mural? E se só libera no dia do aniversário para receber mensagens, faz isso de forma premeditada porque quer os holofotes virados para ele no “seu dia”. E no resto do ano? É só ele e ele? Parece que sim, esqueçam interagir publicamente com Ricardo, com exceção de comentários nas publicações feitas por ele, que também podem ser excluídos, caso ele não goste ou não concorde. Quem quiser enviar mensagem, faça isso de forma privada. Até aí problema nenhum, o perfil é dele e cada um deve escolher a melhor maneira de conviver com seus perfis. Mas o que ficou martelando em mim dessa história? A primeira: sou odiado? Ele não gosta de mim? A segunda: se ele tem algo para esconder ou quer mais privacidade, o Facebook é mesmo o melhor lugar para essa brincadeira?
Até então estive pensando muito sobre a situação, aquilo passou dias na minha cabeça. Estaria ele falando a verdade? Voltei várias vezes na página do Ricardo até concluir que, sim, o mural era bloqueado, ou, pelo menos, continuava para mim. A ideia de ter sido impedido de falar com ele pelo Facebook me deixou muito intrigado com o que eu poderia ter feito contra ele. Outras vezes, antes do Facebook, como você saberia que um amigo seu estava dando um gelo em você? Se ele ou algum amigo em comum contasse. Dessa vez não, dessa vez tirei as conclusões pelo que percebi.
Porém, dias depois, descobri que dois amigos fazem algo que me impressionara ainda mais um pouco. Quando você compartilha qualquer coisa no Facebook, é certo que espera audiência. Audiência no sentido de muitas pessoas curtirem, comentarem e compartilharem seu conteúdo. O que você quer é visibilidade, por mais que você diga o contrário. Todos querem aparecer, ser popular, ser o campeão de uma publicação com muitos “curtir”. De certa forma, além de colecionar amigos, esse é também um dos propósitos do site. Mas e quando esse objetivo não é atingido, o que fazer?  Você se importa se ninguém curtiu ou comentou aquilo que você publicou? E aí, o que você faz?
Eu ouvi desses amigos que eles apagam o que publicaram quando o conteúdo não foi curtido ou comentado"
AutorEu ouvi desses amigos que eles apagam o que publicaram quando o conteúdo não foi curtido ou comentado. Para eles, é sinal de que não interessa para as pessoas, que elas não querem saber sobre o que disseram, sobre a foto que mostraram ou o vídeo que compartilharam. Sim, quando a audiência não dá o mínimo de retorno esperado, a publicação no mural no Facebook é apagada. “Melhor apagar do que ficar com a fama de que não digo o que interessa”, disse um deles. Na escola, muitos anos atrás, antes do Facebook, tudo o que você fazia, contava, mostrava, aos poucos, construía sua imagem, a percepção que seus amigos faziam de você. Depois do Facebook, sua reputação pode ser facilmente moldada. Você pode ser o que você quer que as pessoas imaginem que você é. Não, isso não é uma verdade absoluta, nem vale para todos, mas o exemplo desses meus amigos comprova o que tantos outros usuários pensam sobre reputação e imagem online em tempos de redes sociais. A maioria quer parecer a pessoa mais legal, mais interessante, mais bonita, mais inteligente. E o melhor: desde que alguém já não tenha lido o que foi compartilhado, sempre dá tempo de voltar atrás, apagar e tentar de novo.
Curtir no Facebook (Foto: Reprodução)Curtir no Facebook (Foto: Reprodução)
E por falar em beleza, o que dizer dos nossos amigos que passam o dia em poses no Instagram e no Facebook? Não digo nem em fotos de paisagens ou lugares, mas deles mesmos! Você deve ter um amigo, como eu, que fica o dia todo, ou quase todo, trocando sua foto do perfil no Facebook ou fazendo caras e bocas no Instagram. Eu mesmo sigo uma personalidade no Instagram que parece que a cada quinze minutos publica uma foto nova: acordando, tomando café da manhã, vestindo-se para trabalhar, entrando no carro, indo para o trabalho e mais dezenas de fotos enquanto está atuando em seu cotidiano profissional. E cada foto dessa tem pelo menos mais de 300 “curtir” e uns 40 comentários, no mínimo.
No caso do Facebook, meu amigo troca a foto do perfil com muita frequência, quase uma vez por dia. Ele costuma revezar entre fotos de rosto com fotos de corpo inteiro, fotos sem camisa, fotos em poses sensuais e por aí em diante. Além de trocar a foto do perfil, constantemente ele está publicando uma foto dele mesmo no próprio mural. E da mesma forma que a tal personalidade, todas as fotos ganham muitos “curtir” e dezenas de comentários.
Foto no Instagram (Foto: Reprodução)Foto no Instagram (Foto: Reprodução)
Mas o que leva essas pessoas a esse comportamento? Passam o dia pensando na foto que pode agradar mais, trazer mais audiência? A impressão que tenho é a de que são pessoas que precisam, que têm a necessidade de serem vistas e aceitas pelo público. Mostrar-se publicamente e receber um comentário positivo ou um elogio é como um combustível para continuar vivendo. Sim, estou exagerando, pode ser. Todos os mais de 900 milhões de usuários do Facebook podem fazer o mesmo todos os dias e eu nem sei, mas o que chama atenção nesses dois casos – e já que estou aqui observando comportamentos – é o quanto eles estão tornando-se dependentes disso, o quanto é importante para cada um deles receber esses comentários, serem aprovados, serem aceitos.
As três histórias nos levam a refletir sobre situações e comportamentos que incluímos, até sem perceber algumas vezes, nas nossas vidas, nas nossas rotinas, todas trazidas pela tecnologia que nos cerca. De que forma, antes do Facebook, você poderia impedir que um amigo compartilhasse contigo algo sobre você mesmo, pedisse uma opinião, fizesse uma brincadeirinha? Sim, não era de forma pública, como é no Facebook, e você poderia simplesmente não atender ao telefone ou ignorar um email enviado por ele. Mas agora você pode escolher quem vai falar no espaço público, que é ao mesmo tempo privado, que é seu perfil no Facebook. Trata-se de uma recente escolha, que não existia antes das redes sociais como as conhecemos hoje, uma nova decisão que agora precisamos tomar em nossas vidas modernas.
E como você poderia fazer para reverter aquela imagem ou reputação que criaram de você e que antes não era possível apagar, simplesmente deletar ou editar, como você faz no Facebook?"
E como você poderia fazer para reverter aquela imagem ou reputação que criaram de você e que antes não era possível apagar, simplesmente deletar ou editar, como você faz no Facebook? Nossa!, poderia dar muito trabalho, muitos e muitos anos até que você conseguisse mostrar algo diferente do que pensaram que você fosse. Não que isso seja absolutamente diferente nos dias de hoje, mas um site de rede social como o Facebook oferece inúmeras possibilidades para você ser quem os seus amigos e as pessoas sempre sonharam em ter por perto. Você pode dizer algo e voltar atrás, às vezes a tempo de que ninguém tenha lido a “besteira” que você escreveu ou a foto ou vídeo que você compartilhou. Pois tudo o que você compartilha estaria, dessa forma, criando sua reputação, sua imagem, seu perfil público. Assim como suas poses, suas fotos com filtros incríveis que podem lhe transformar em uma pessoa irretocável, perfeita, também podem ser moldadas, escolhidas de acordo com a preferência do seu público. Se não curtiram ou comentaram muito, está na hora de mudar de estratégia. Vamos fazer fotos novas.
Você consegue perceber quantas decisões e escolhas a mais estamos incluindo nas nossas vidas depois que esses sites e gadgets surgiram? Os sites como Facebook possuem inúmeras configurações de privacidade, cabe a você escolher como e quais delas vai usar. E não são poucas! Algumas dessas decisões interferem e têm reflexos nas nossas vidas offline, fora desses ambientes online. Eu fiquei magoado com meu amigo que bloqueia o mural para mim, mas será que ele se importou com isso? E por que é tão importante que o mural dele esteja aberto para eu escrever? Que significado isso tem para minha vida fora da rede? Ele é mais ou menos amigo por conta dessa escolha feita por ele? E você, já parou para tomar algumas dessas decisões, sabe por quantas delas já passou ou ainda terá que passar? Nicholas Carr afirma em seu livro chamado ‘A geração superficial: o que a internet está fazendo com nossos cérebros’ que estamos nos adaptando à velocidade, ao modo de existir da Internet, ao ritmo que ela nos impõe. E que muitas vezes fazemos isso sem mesmo perceber, os comportamentos são absorvidos conforme a tecnologia vai tomando conta de nossas vidas. Será que esses gadgets e conexões online continuarão influenciando nossos comportamentos nos próximos anos?

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